quarta-feira, junho 23

o troféu e seu casco.

e se o que se é estiver mesmo pairando em algum ponto do lado de fora?

como faz a tartaruga?!
sua corrida foi penosa e lenta e a mais rápida aventura que seu coração já sentiu fazer bater.
suas pernas cansadas se relembram de como não ficar parada, apenas disso ela se recorda.
nada de viver, apenas não parar. ela seguiu e conseguiu o que tanto queria.
o que mesmo ela tanto queria?
agora que o tem, que quer que lhe tenha sido assim tão querido por um instante ou dois, não se sente mais porque agora não é desejo, é realização e essa chama não queima, apenas perdura.
sobrevive.
mas ela quer viver. ela quer lembrar-se do que é não ser o algo a mais que a empurra passo a passo rumo à linha de chegada, esquecer-se de que agora se tornou tartaruga de novo e apenas isso que é. sem enfeites, sem abraços, sem merecimento.
apenas velha e cascuda e dura, e agora cansada.
mas com algo nas mãos pelo que foi alguma coisa diferente. por alguns momentos de intensidade, ela respirou aquele troféu que não via,
mas ele viveu dentro dela.
e agora que está em suas patas largas, todo seu e tão seguramente conquistado, tem dono,
e por isso já não mais lhe pertence,
não faz parte de seu desejo e não lhe desperta movimento. revê o coelho perdedor.
quisera ela saber agora, lembrar tão bem quanto lembra do saltador em dormição por quem passou, traiçoeira sorrateira e triunfante, por que quisera tanto aquela sensação,
que não aprendera a sentir.
não sabia ser a dona do prêmio, não sabia sentir o primeiro lugar. sabia querê-lo, e nisso era mestre.
era mestre em crer que iria avançar a despeito de sua casca pesada, e em torná-la leve de convicção e de garra, mesmo sem ter dentes ou coisa parecida.
seu casco.
por ele não conseguiam mais entrar as remanescências do que fora no percurso, e que agora altaneira no pódio máximo, desejara saber por qual parte do caminho tortuoso estariam perdidas.
o casco a bloqueava do mundo que precisava respirar para se tornar algum bicho mais dinâmico, mas deixava entrar o poder da vitória que a envolvia e incapacitava.Era filtro potente de coisas pelas quais seu coração vibrava, mas não sabia ainda se defender da luz dourada que continha em suas 'mãos'.
viveu aquele segundo de invejada glória como um parasita alojado em seu troféu reluzente.
pensou sério em deixá-lo cair, e vendo o símbolo estourar, quem sabe estourasse também a bolha de ar manso que havia tirado seu apetite pela vida e pela vitória que não possuísse.
pensou também em inovar, apavorando os espectadores com seu lado mais negro e, vazando de ferocidade, mandar todos os falsos admiradores para suas casas de solidão.
pensou também no que era, e não o sabia. pensou que talvez devesse achar melhor simplesmente aceitar aquele troféu, afinal o merecia, e tornar-se o que ele bem entendesse em fazer dela. pensou. e pura e desesperadamente.

e agora,
como faz a tartaruga?

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