sábado, novembro 20

lá na bolha há..

Nasceu assim, como todas nós, de um sopro.
E enquanto subia via o mundo ficar pequeno ao seu redor e engoli-la, e via o mundo que criava no reflexo curvo que saía dela e atingia os olhos dos passantes, dos brincantes, daquela que lhe fez, como todas nós.
Uma leve brisa a separou das outras bolhas, e pela deformação do mundo que via ela pôde pela primeira vez analisar seu próprio tamanho. Não soube dizer se era grande ou pequena,
certificou-se, entretanto, de que era suficiente pra ser leve e ainda assim percebida, evitando as ágeis mãos fatais das crianças que brincavam pelo parque.
Viu o fim de sua família, quando uma moça que passava correndo esbarrou no balde de água e sabão, seu berço no chão.
Sentiu o sal das lágrimas de mamãe tocarem o chão, e desesperada mirou as demais remanescentes da jornada ascendente de que participava, pensando quanto ainda duraria.
Temeu o pássaro voraz que quase a atravessou. Nessa hora, sozinha no céu, quis ser plástico, quis ser de basquete, quis ser bola de cristal e odiou o sabão que era seu corpo todo. E ainda assim, continuava.
Por vontade de quem?
Não respondeu à essa indagação que continuava dentro dela desde que uma boca a soprara pra fora de um aro. Desde que respirou o mundo no qual já sabia não poder pertencer por mais do que alguns breves segundos.
E agora os minutos decorridos lhe traziam experiências. E tão rapidamente já se sentia uma bolha ansiâ. Uma bola velha, durava amis que as outras, sentia-se cheia, preenchida por um conteúdo que não tinha criado, mas apenas deixado permear-se por suas paredes frágeis de reflexos multicoloridos que lhe garantiam tudo aquilo que tinha. Não soube se aquilo era bom
Afinal, saber de todos os perigos que sabia e que lhe permitiam ser a bolha certa, não a transformaram em nada mais concreto, e nem iriam. Seu destino era estourar e disso ela se certificava com cada nova sensação que absorvia do mundo.
Soube que todo o seu colorido, em provavelmente menos tempo do que poderia ter calculado, estava prestes a se desfazer em algumas gotas de água suja que se uniriam à enxurrada, que sujariam o sapato de alguém, e que os sorrisos que despertara nas crianças se tornariam AAAaa-não-suporto-essa-sujeira-de-São-Paulo"s com a sua fragmentação.

E que pena. Não tinha mais bolhas com as quais conversar. Nem sabia se tinha voz.
Pensou inútil toda aquela discussão silenciosa com sua própria.. tinah cabeça de bolha, mente de bolha? não não, só consigo.. Perdera a oportunidade de viver como e com as outras a sua tão frágil vida?
Tarde agora pra saber.
Tarde era, de verdade; percebeu o pôr-do-sol.
E sugou toda a vermellhidão do céu imenso que era sim seu lugar. Independeu de todo o resto e de todas as outras, e de tudo aquilo a que não tinha dado tempo de se prender.
E pela primeira vez, quis olhar para o alto. E olhou.
Lá embaixo, alguém sentiu uma gota pesada cair na testa. Limpou irritada o pouquinho de maquiagem que escorria, que saco, parecia sabão, aquilo era à prova d'água!
E mais nada.