quarta-feira, junho 23

começo .

sim, não.
sim, é obvio que nao poderia sair só de si próprio tudo que na vida se jorra por aí ao vibrar o ar que se respira.
não, não sei ainda, até onde vai esse poder dos outros de nos fazer alguém outro, o outrém.

morre algo dentro da alma que sorri falsamente,
quando atônita ela imagina o que há por debaixo da capa,
o que ainda existe dela mesma, morando pelos cantos sujos da casa abandonada que é o apenas ela, que é o que o mundo não deixa ser, que é o que talvez nem seja mais,
não a deixa descansar em paz.

como pode dormir e arriscar que a máscara caia,
como não agarrar-se constantemente aos fios dessa capa de mundo e de outros que já faz tão parte dela?
COMO

silenciosa ela segue sabendo que ninguem lhe dirá.
nenhum grito lhe denunciará as escaras na face quando o vento soprar para longe sua falsa pele, já tão parte dela;
ao menos não à sua frente.
o mundo continuará girando enquanto lhe observarem pelo canto dos olhos, ardendo em carne viva,
seu sentimento à mostra, seu coração palpitando do lado de fora.
Ela mesma, e pela primeira vez nua. Despida e livre do que os outros a tornam.
também é escrava disso, de ser só,e apenas o que é, agora que não pode mais a volátil versatilidade que a sintonizava chave mestra da porta humana que escolhesse.

e a alma caminhará,
pois não lhe ensinaram a parar.
Até que se depare com o olhar que aguarda e cuja sede lhe impulsiona as pernas fatigadas,
e uma criança lhe olhará, e sentirá tristeza por ela
e perguntará à soberana o motivo de sua nudez
compartilharão um secreto momento, unidas porque não têm vergonha.

uma que nunca soube ser senão o que é, simples lagarta
e a outra borboleta desalada, humilhada e traída e roubada pela ida da vida dos outros, que um dia lhe deram uma capa pra vestir e esqueceram-se de atá-la bem, deixaram de protegê-la das intempéries do caminho.

mas da criança ainda se lembram,
e a mãe virá correndo, estilhaçando a cumplicidade cristalina da amizade instantânea que não dura mais do que o tempo que levou pra se consagrar.
isso porque não pode ser,
e terá o dedo do ventre protetor apontado para suas feridas abertas,
empurrando brutalmente os corações amigos em sentidos opostos.
ensinando à criança o medo, a vergonha, a urgência de esconder o que se sentiu e não podia ser.

suja e humilhada ela re-ergue o olhar tão recém-nascido e sacode-lhe a poeira.
"EU ensinei uma lição".
a alma continua em galope pelos trilhos que ineditamente ninguém lhe emprestou.
eles lhe pertencem,
e ela respira completa pela primeira vez.

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