Antes de ir para lá passei
no Acampa Sampa, o que é pano para uma outra história que mesmo sendo útil para
a compreensão dessa, escolheu aparecer depois. Mas vai aparecer.
De coração repleto de
vida, e mesmo assim meio aéreo, naquela sensação de não-sei-o-que-faço-aqui, um
certo deslocamento, um certo descolamento, sem aparente motivo que não meu
desconhecimento da situação em dois sentidos: da história pontual e da dinâmica
de um ato.
No caminho pergunto à menina
do avião de papel, e dos sonhos lourinhos de olhos lutadoramente azuis sua
opinião. Gosto. Mas aquele gosto incompleto de quem busca o que não sabe bem o
que é, um gosto incapaz de matar a estranha angústia muda que aqui se abrigara.
Faculdade de Direito do
Largo São Francisco.
Já sentia boa a ideia de
ser lá. De conversar sobre a urgência da conversão desse franciscanismo
distante, unilateralmente proposto quando da separação entre os cursos, do
nosso verde e amplo exílio universitário “autárquico”,
e aceito por todos nós, quando nos abstivemos da interação.
Ainda assim o não sei que
faço aqui. Provavelmente melhor descreveria esse sentimento dizendo que não ei
que quero fazer daqui para frente. Não sei como me quero ver nesse movimento.
Não sei se me quero ver nesse movimento.
Conversa 1 – Anja Rebecca
A simplicidade que é só
com o que se pode ter uma genuína vontade de vida pura, transformadora. A
aposta gratuita de que eu talvez tanto precisasse, e talvez nem tanto, mas que
não tinha sido encontrada em nenhum lugar do peito até então; “Vê se toma
coragem e fala isso que você me disse, vai ser muito importante!”.
Conversa 2 – Thiago Potter
Explicações mais
integrais, e consistentes, de quem estava na primeira Assembleia e ao lado de
todo o processo de ocupação. Foi importantíssimo perceber o quanto eu tinha
estereotipado “os radicais que boicotaram
a assembleia e impuseram uma ocupação ilegítima”, quando na verdade eu não
sei bem o que aconteceu, mas sei que, justamente, eu ou alguém teria de ser
muito, muito bom e muito perto de/d@ onisciente para poder definir o que
aconteceu com tamanha precisão. Senti pequena a minha prepotência. Sim, olha
que novidade! Ela não estava só em “todos
os despolitizados ridículos que dizem que a FFLCH é o antro do pecado e das
drogas e a FEA a segunda casa do fascismo no mundo”, ela estava ali em mim,
naquele momento em que chamei um grupo de “eles”, agindo contra tudo que penso
e “prego”. Tá aí a principal questão, já
tão bem tratada pelo Leo Calderoni em sua carta: <>,
não são “eles” (termo que não existe, não existe, não existe, estamos falando
de seres, seres humanos e cheios de toda a luz e vida que a humanidade traz
consigo por definição. Só consigo pensar em “nós”), não são “eles” os culpados
por nada. E sim cada que fazemos, cada julgamento prepotente, cada valorização
egoística que considera o outro pequeno, ou coitadinho, ou um simples rebelde
sem causa. Sem entendimento verdadeiro, preocupado, e eu digo amoroso no
sentido de que, realmente, ainda não conheci ninguém que gostaria de ser
condenado sem direito a defesa.
Conversa 3 – Kinha
Eis que chegam os olhos
puxados, a roupa toda cor e vida, verde, florida, zen, amarela, viva, viva,
energética, pura como sempre. Mas dentro um peso que dividíamos. Ali no meio
daquelas bandeiras todas, daqueles gritos todos, daquelas discussões chocantes
com as pessoas da rua que se recusavam a nos entender, daquele não entendimento
combatido com não entendimento, que só separa as pessoas, só separa as pessoas,
não apenas umas das outras como também de seus próprios seres livres – que são
a única parte de nós capaz de nos conduzir por algum caminho verdadeiro e
verdadeiramente belo –, vendo tudo isso, morríamos.
Morríamos de não saber se
estar ali queria dizer concordar com toda a parte podre do ME que estava ali e
com toda a parte podre de tudo o que aquela egrégora produzia, de tudo o que
estava sendo dito em cada bandeira, grito ofensivo, ou no carro de som. E
morremos no caminho, numa boa parte dele.
Conversa 4 – Carol
Eis que a amiga dela,
também jornalista, também ECAna, também querida por sinal, mas que foi para lá
por motivos “acadêmicos”, de fazer um trabalho, e acabou ficando, me revela
tudo o que eu queria saber, por linhas aliás tortas, no sentido de ser algo com
que eu inicialmente não concordei. Como a todas as sabedorias que nos atingem
resistem nossos demônios e medos, precisei de um tempo para digerir e poder me
dirigir realmente. Eis o tema:
– Não gosto de que isso começou por uma
radicalização, por uma segmentação, e que tenha que ser apoiado não só
financeiramente mas também em questão das pessoas participantes, por partidos
políticos com os quais eu não sei se concordo, mas até saber não quero estar
envolvida com.
– Mas do jeito que a coisa está hoje, a gente
depende deles. Ninguém estaria aqui se não fosse por eles.
Ou seja, estava dita a
mais pura verdade. Do jeito que estamos hoje, desmobilizados, duros, insensíveis,
incomoviveis, preconceituosos, juízes habilidosos para tudo o que nos rodeia,
cegamente incapazes de olharmos para dentro uma só vez que seja e dizer ‘está
na hora de uma bela reforma aqui no meu templo’, dessa forma, precisamos
“deles”.
Precisamos de alguém que tome uma
atitude radical frente a uma situação radical à qual permitimos que a coisa se
encaminhasse. Precisamos de uma ação
controversa, talvez ilegítima, considerada ilegal, de uma provocação mútua, de
uma ação armada, militarizada, absurda, de joguinhos de poder sujamente
políticos nos quais somos marionetizados, precisamos
deles todos, para que algo aconteça. Precisamos
deles todos porque nos abstivemos, pulamos para fora do trem ao invés de pular
para dentro dele, de assumir o comando, de explicar pro motorista que ele esta
cego e tem gente que pode ajuda-lo a não sair dos trilhos. E aí, na hora que o bicho pega, precisamos
nos ver no dilema de sentar pra assistir ou pular todos juntos na frente do trem,
que já perdeu os freios, que já corre, que já tem sede de nosso sangue
indiferente.
Tá aí o problema.
Pra quem como eu não
acredita na profissionalização da política, pra quem tem nojo de partidarismo
vazio, pra quem tem medo de extremismo, pra quem duvida de toda violência, pra
quem quer mais humanidades nas relações humanas de qualquer tipo, pra quem não
engole julgamentos preconceituosos, pra quem está insatisfeito com o tipo de
representação política que temos, seja a estatal, seja a estudantil, vivamos
então essa política.
Que ela flua por nós como
quando respiramos, que escorra de nossas mãos, olhos, ouvidos, palavras, a cada
segundo. Ela não será desprofissionalizada, acertada, corrigida, transformada,
revolucionada, ela não será nada diferente do que é agora por alguma magia
externa. A única magia – e eu realmente considero isso como uma magia, linda e
maravilhosa – capaz de fazer isso está aqui. Está muito mais perto do que
qualquer livro de ficção possa supor. Está dentro de cada um que tem o poder de
simplesmente se posicionar. Se posicionar não é só votar na assembleia, apesar
de ser isso também. É viver aquilo é normalizar aquilo, em cada conversa, em
cada novo dia, dia-a-dia. Que isso seja novo e que essa flexibilidade política
que é o que eu creio que tanto falta quando alguém tatua no peito uma bandeira
que não muda, esteja em mim, e esteja em qualquer um que queira nascer para
esse novo, velho modo de fazer/ser política que está sendo ressuscitado no
mundo de agora.
De agora.
Não sei bem qual é minha
proposta para a solução mais eficaz de todos os problemas que a USP e que a
sociedade de São Paulo, do Brasil e do mundo enfrentam no momento. Obviamente
que não sei tudo isso. Duvido mas adorarei saber qual é, se alguém já chegou lá
me conte por favor J. Mas o que eu sei é que eu quero propor
aquilo que vier na minha cabeça, que eu preciso participar disso, que eu
acredito na transformação de tudo, e também do movimento estudantil, e também
da distancia burra e surda entre as faculdades, da estereotipagem, da desumanização
da política e de toda relação social. E que eu não quero só ficar chorando com
isso. Eu não quero esquecer a segurança caso o Rodas não saia ou caso a PM não saia,
como eu fiz depois da morte do Felipe. E eu simplesmente não vou deixar que
isso aconteça em mim. Se não houver
força para isso continuar e eu me tornar uma pobre formiguinha na escuridão,
tudo bem, terei tentado. Mas a grande alegria que toma conta de mim nesse
momento vem de ontem, vem desses acontecimentos históricos, vem das ocupações do
mundo, da São João, do Viaduto do Chá, da USP, da São Francisco, de Harvard.
Vem dessa nova gente fina elegante e sincera, dessa nova era. Vem de saber que
eu não estou sozinha.
E assim há toda a esperança.
You may say I’m a dreamer,
But I’m not the only one.
I hope some day you will join us,
And the world will be as (the) one (it really is).
Um comentário:
Eu me identifiquei com muitas das coisas escritas nesse texto, cheguei meio perdida também. Acho que mesmo perdida, se há a vontade de estar lá, você não tá tão perdida assim.
Postar um comentário