sexta-feira, novembro 11

O rugi(r)do recém-nascido ser político


Antes de ir para lá passei no Acampa Sampa, o que é pano para uma outra história que mesmo sendo útil para a compreensão dessa, escolheu aparecer depois. Mas vai aparecer.

De coração repleto de vida, e mesmo assim meio aéreo, naquela sensação de não-sei-o-que-faço-aqui, um certo deslocamento, um certo descolamento, sem aparente motivo que não meu desconhecimento da situação em dois sentidos: da história pontual e da dinâmica de um ato.
No caminho pergunto à menina do avião de papel, e dos sonhos lourinhos de olhos lutadoramente azuis sua opinião. Gosto. Mas aquele gosto incompleto de quem busca o que não sabe bem o que é, um gosto incapaz de matar a estranha angústia muda que aqui se abrigara.

Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
Já sentia boa a ideia de ser lá. De conversar sobre a urgência da conversão desse franciscanismo distante, unilateralmente proposto quando da separação entre os cursos, do nosso verde e amplo exílio universitário “autárquico”, e aceito por todos nós, quando nos abstivemos da interação.
Ainda assim o não sei que faço aqui. Provavelmente melhor descreveria esse sentimento dizendo que não ei que quero fazer daqui para frente. Não sei como me quero ver nesse movimento. Não sei se me quero ver nesse movimento.

Conversa 1 – Anja Rebecca
A simplicidade que é só com o que se pode ter uma genuína vontade de vida pura, transformadora. A aposta gratuita de que eu talvez tanto precisasse, e talvez nem tanto, mas que não tinha sido encontrada em nenhum lugar do peito até então; “Vê se toma coragem e fala isso que você me disse, vai ser muito importante!”.

Conversa 2 – Thiago Potter
Explicações mais integrais, e consistentes, de quem estava na primeira Assembleia e ao lado de todo o processo de ocupação. Foi importantíssimo perceber o quanto eu tinha estereotipado “os radicais que boicotaram a assembleia e impuseram uma ocupação ilegítima”, quando na verdade eu não sei bem o que aconteceu, mas sei que, justamente, eu ou alguém teria de ser muito, muito bom e muito perto de/d@ onisciente para poder definir o que aconteceu com tamanha precisão. Senti pequena a minha prepotência. Sim, olha que novidade! Ela não estava só em “todos os despolitizados ridículos que dizem que a FFLCH é o antro do pecado e das drogas e a FEA a segunda casa do fascismo no mundo”, ela estava ali em mim, naquele momento em que chamei um grupo de “eles”, agindo contra tudo que penso e “prego”.  Tá aí a principal questão, já tão bem tratada pelo Leo Calderoni em sua carta: <>, não são “eles” (termo que não existe, não existe, não existe, estamos falando de seres, seres humanos e cheios de toda a luz e vida que a humanidade traz consigo por definição. Só consigo pensar em “nós”), não são “eles” os culpados por nada. E sim cada que fazemos, cada julgamento prepotente, cada valorização egoística que considera o outro pequeno, ou coitadinho, ou um simples rebelde sem causa. Sem entendimento verdadeiro, preocupado, e eu digo amoroso no sentido de que, realmente, ainda não conheci ninguém que gostaria de ser condenado sem direito a defesa.

Conversa 3 – Kinha
Eis que chegam os olhos puxados, a roupa toda cor e vida, verde, florida, zen, amarela, viva, viva, energética, pura como sempre. Mas dentro um peso que dividíamos. Ali no meio daquelas bandeiras todas, daqueles gritos todos, daquelas discussões chocantes com as pessoas da rua que se recusavam a nos entender, daquele não entendimento combatido com não entendimento, que só separa as pessoas, só separa as pessoas, não apenas umas das outras como também de seus próprios seres livres – que são a única parte de nós capaz de nos conduzir por algum caminho verdadeiro e verdadeiramente belo –, vendo tudo isso, morríamos.
Morríamos de não saber se estar ali queria dizer concordar com toda a parte podre do ME que estava ali e com toda a parte podre de tudo o que aquela egrégora produzia, de tudo o que estava sendo dito em cada bandeira, grito ofensivo, ou no carro de som. E morremos no caminho, numa boa parte dele.

Conversa 4 – Carol
Eis que a amiga dela, também jornalista, também ECAna, também querida por sinal, mas que foi para lá por motivos “acadêmicos”, de fazer um trabalho, e acabou ficando, me revela tudo o que eu queria saber, por linhas aliás tortas, no sentido de ser algo com que eu inicialmente não concordei. Como a todas as sabedorias que nos atingem resistem nossos demônios e medos, precisei de um tempo para digerir e poder me dirigir realmente. Eis o tema:
 – Não gosto de que isso começou por uma radicalização, por uma segmentação, e que tenha que ser apoiado não só financeiramente mas também em questão das pessoas participantes, por partidos políticos com os quais eu não sei se concordo, mas até saber não quero estar envolvida com.
 – Mas do jeito que a coisa está hoje, a gente depende deles. Ninguém estaria aqui se não fosse por eles.
Ou seja, estava dita a mais pura verdade. Do jeito que estamos hoje, desmobilizados, duros, insensíveis, incomoviveis, preconceituosos, juízes habilidosos para tudo o que nos rodeia, cegamente incapazes de olharmos para dentro uma só vez que seja e dizer ‘está na hora de uma bela reforma aqui no meu templo’, dessa forma, precisamos “deles”.

Precisamos de alguém que tome uma atitude radical frente a uma situação radical à qual permitimos que a coisa se encaminhasse. Precisamos de uma ação controversa, talvez ilegítima, considerada ilegal, de uma provocação mútua, de uma ação armada, militarizada, absurda, de joguinhos de poder sujamente políticos nos quais somos marionetizados, precisamos deles todos, para que algo aconteça. Precisamos deles todos porque nos abstivemos, pulamos para fora do trem ao invés de pular para dentro dele, de assumir o comando, de explicar pro motorista que ele esta cego e tem gente que pode ajuda-lo a não sair dos trilhos.  E aí, na hora que o bicho pega, precisamos nos ver no dilema de sentar pra assistir ou pular todos juntos na frente do trem, que já perdeu os freios, que já corre, que já tem sede de nosso sangue indiferente.

Tá aí o problema.
Pra quem como eu não acredita na profissionalização da política, pra quem tem nojo de partidarismo vazio, pra quem tem medo de extremismo, pra quem duvida de toda violência, pra quem quer mais humanidades nas relações humanas de qualquer tipo, pra quem não engole julgamentos preconceituosos, pra quem está insatisfeito com o tipo de representação política que temos, seja a estatal, seja a estudantil, vivamos então essa política.
Que ela flua por nós como quando respiramos, que escorra de nossas mãos, olhos, ouvidos, palavras, a cada segundo. Ela não será desprofissionalizada, acertada, corrigida, transformada, revolucionada, ela não será nada diferente do que é agora por alguma magia externa. A única magia – e eu realmente considero isso como uma magia, linda e maravilhosa – capaz de fazer isso está aqui. Está muito mais perto do que qualquer livro de ficção possa supor. Está dentro de cada um que tem o poder de simplesmente se posicionar. Se posicionar não é só votar na assembleia, apesar de ser isso também. É viver aquilo é normalizar aquilo, em cada conversa, em cada novo dia, dia-a-dia. Que isso seja novo e que essa flexibilidade política que é o que eu creio que tanto falta quando alguém tatua no peito uma bandeira que não muda, esteja em mim, e esteja em qualquer um que queira nascer para esse novo, velho modo de fazer/ser política que está sendo ressuscitado no mundo de agora.
De agora.
Não sei bem qual é minha proposta para a solução mais eficaz de todos os problemas que a USP e que a sociedade de São Paulo, do Brasil e do mundo enfrentam no momento. Obviamente que não sei tudo isso. Duvido mas adorarei saber qual é, se alguém já chegou lá me conte por favor J. Mas o que eu sei é que eu quero propor aquilo que vier na minha cabeça, que eu preciso participar disso, que eu acredito na transformação de tudo, e também do movimento estudantil, e também da distancia burra e surda entre as faculdades, da estereotipagem, da desumanização da política e de toda relação social. E que eu não quero só ficar chorando com isso. Eu não quero esquecer a segurança caso o Rodas não saia ou caso a PM não saia, como eu fiz depois da morte do Felipe. E eu simplesmente não vou deixar que isso aconteça em mim. Se não houver força para isso continuar e eu me tornar uma pobre formiguinha na escuridão, tudo bem, terei tentado. Mas a grande alegria que toma conta de mim nesse momento vem de ontem, vem desses acontecimentos históricos, vem das ocupações do mundo, da São João, do Viaduto do Chá, da USP, da São Francisco, de Harvard. Vem dessa nova gente fina elegante e sincera, dessa nova era. Vem de saber que eu não estou sozinha.
E assim há toda a esperança.

You may say I’m a dreamer,
But I’m not the only one.
I hope some day you will join us,
And the world will be as (the) one (it really is).


Um comentário:

Anônimo disse...

Eu me identifiquei com muitas das coisas escritas nesse texto, cheguei meio perdida também. Acho que mesmo perdida, se há a vontade de estar lá, você não tá tão perdida assim.