segunda-feira, setembro 12

Da Pele

Tão preta, uns olhos me pararam.

Aquela cena de sempre que segue me segurando aqui dentro desse bolo de carne. Se não fosse o sussurrar sereno dessa moça cega a me souvenir... Ela soube ir. Soube ir e ser sua ordem de um jeito que eu já nem sei se esqueci ou se nunca soube aprender a. Pegando num braço, que lhe é tudo. Num braço sem o qual ela não se basta.

Ou será?
Será ela o verdadeiro braço, e eu agarrada aqui naquilo que percebo com as esferas cansadas e mais sanguíneas do que gostaríamos, que ganharam o título bonito de glóbulos oculares, de umas pessoas que mal sabiam o quanto cabe dentro delas. Serei eu quem perambula, quem se perde, quem não sabe aonde vai.

Quem não sabe a onda que vem.
Quem não sabe ser onda e simplesmente se carregar pela areia gostosa, pela louca E pura E inocente vontade forte de comer esse incrível mar de chão terroso. Canibália.

P o r q u e n ã o deixar-me ir, simplesmente não querer saber de querer ou não ser o suporte, ser o denso, ser a onda concreta por sobre a qual se sustenta e move qualquer coisa. Sem jacarezinho coisa nenhuma. Sem sofisticação, sem onda, nada. Tanto.

Tanto mar por aí e eu nele e eu ele.
Mar de tudo e mar de gentes sem gentileza e mar de nós e de eu e ele, eu sou ele.
Eu sou ela.
Lá, no corredor, Desesperada. Atenta. Contendo nos esbugalhados guardadores da vida secreta que imaginei todo ele que me rodeia.

O mundo cabe e sobra em qualquer cegueira honesta, dessas que nos negamos desde o primeiro dia em que pisamos essa loucura apelidada escola. Apeli-dado, nomezinho que não nos pertence. Pertence-me sim o braço; pois este sou (aqui o Windows me manda dizer de verde sublinhado que “este” não pode “sou”, e eu, rio) e sem vergonha.
Esse braço ele é real e tão invisível para os outros quanto todo o resto o é para mim. De forma completamente voluntária, e assim inconsciente.

Louca.

Grande parte do que se cobre com o manto desse termo vem daqui, vem desse momento em que, vivos, o braço guia e o contraste entre o olhar de tempestade e a mão de cozinha tão tenra, tão inapta, são captados pelos vendados miradores de um adaptado, acomodado, qualquer. Qualquer. Isso não pode ser escrito por algum ninguém em sã consciência.
Hahaha, sã consciência. Quanta hipocrisia cabe em nós sós.

Nós sós, é tudo o que somos. Completamente desprendidos de qualquer coisa enquanto inventamos nossa completude boba e infeliz. Sendo no fundo verdadeiro bem vazios, não nos bastamos, não nos bastamos tanto quanto a ideia que construímos por debaixo daquele braço forte e solícito tenta nos convencer a cada segundo de que ela não se basta.

Pobres crianças. Estamos eufóricos girando a ciranda; hermeticamente atados ainda que por baixo de tantos panos. Enganos. Negamo-nos o poder e a delícia de deixar ser o braço, de não pensar se correr do ou para o abraço. De esquecer as amarras e assim libertar, voar, não sofrer por ser nó – o que corresponde a conquistar o direito de não mais sê-lo, e me selo. Mesmo que seja no subterrâneo abarrotado do transporte público.

O grande horizonte, a grande vida, o que nos resta pra comer e amar, está por vir e é daqui da testa que ele explode sua exuberante latência efêmera.
É fêmea, seja como e quando.
E até no talvez.
Ela nos vê
da próxima vez.

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