terça-feira, julho 6

Há tantas violetas velhas, sem um colibri

É a falta.

É a falta em dois sentidos,

tanto como algo que vem de dentro e nos corrói, e a faz querer correr atrás do que deixou para trás e o trazer de volta, como se o antes fosse o presente e o futuro, mesmo depois de seu vaso ter sido despedaçado tantas e tantas vezes... (aka saudades)
como quando nos falta a coragem pra atirar aos quatro ventos o grito de partida dessa corrida desvairada e animalesca que nos leva até as coisas que mais queremos, e portanto em relação às quais nos vemos e consideramos mais incapazes de qualquer atitude grande que resolva tudo do jeito que nos permitimos sonhar visualizar e desejar com esperança durante as noites solitárias em que deixamos brilhar a luz do amor de nossa imaginação sobre nós mesmos.

E para aquela velha rosa, que já se viu independente e forte e pronta para desbravar o mundo dos outros sozinha e sem aquele outro que em seu coração de flor já viveu numa cúpula sob o rótulo de seu, para ela e nela existem ambas.
A primeira porque ela sente falta de ser jovem e de ter aonde ir , de saber que ainda existem lugares que ela pode ocupar, pois ainda há muito terreno a conquistar quando ela enfim e graças a Deus ou coisa parecida, crescer.
Essa falta lhe falta porque ela sente agora o peso do pedestal dourado onde foi pendurada pela vida que quis e escolheu, e hoje montada nele, ela percebe o mundo lhe esmagando e construindo seus prédios cinzentos pesados e sem alma nos frágeis dentes que ela mostra ao mundo, sua minúscula muralha de espinhos, conquistada pela vida construtora e ignorante muito mais facilmente do que por ela, que com amor os cultivou. Ela quer estar no chão e poder voar, de volta para onde não se sinta tão poderosa enfim, mas onde haja segurança. E a esperança de ter alguma certeza, de ser importante para ele que a criou e não apenas para si mesma. É esse lado que agora ela vê, por sobre o qual há não muito tempo suas folhas verdes e crescidas casted uma
imensa sombra;
Ela sabe sim o que são saudades, e sabe muito bem, e sente isso a cada vez que o vento sopra e ela pede que a derrube, para que possa ser colhida e por fim recolher-se em um lar onde lhe admirem e isso a faça viver mesmo depois de estar morta porque a terra foi tirada de suas raízes.
Mas hoje essas já são fortes demais e involuntariamente ela permanece em seu campo solitário, magnífica, e com todo esse esplendor para si, transbordando pelos olhos e pelo corpo forte e belo.

Agora a coragem..
Para assinar e decretar a própria sentença de morte, levantando-se da terra onde construiu sua cerca farpada de segurança imaginária dentro da qual se conhece forte (mesmo sem poder receber do toque de algum jardineiro o calor dessa admiração que sabe inspirar), ela precisaria refazer seu crescimento;
ao invés de tê-lo construído para o alto, para fora e em todas as direções, para todo e qualquer lado que pudessem seus botões vislumbrar, deveria ter feito uma expansão interior.
Ela arrepende-se agora (será redundante e vou dizer que inutilmente) de não ter mandado as excursões de perfume com que conquistou animais que soube, não sabe porque, manter distantes o bastante para não correr o risco de ser ferida, para dentro de si mesma.
Gostaria ela de saber como é admirar e amar e querer bem não a si, como via acontecer a cada momento, mas aos outros. Ela não soube entregar o sentimento que agora queria viver, isso ninguém lhe ensinou, isso não poderia absorver da terra que a fazia respirar nem da chuva que lhe trouxe tanto vigor. Então toda essa intensidade trancada, ela não sabe lidar com ela.
Isso queima suas mãos de rosa, ainda inábeis mesmo após tantos anos em que seus espinhos fizeram cair gotas pesadas de devotado sangue em seu canteiro.
e a rosa queria ter crescido em si para agora crescer nos outros e não se importar mais em ser, mas sim em amar e servir e fazer sorrir, não por orgulho e para se afirmar (como até então vivia e por muito tempo pensou que fosse bom), mas pela vontade humilde de deixar-se humilhar se isso lhe trouxesse a beleza de fazer sorrir, de fazer sonhar, de ser instrumento.

Mas o caminho inverso é longo e complicado.
e ela não sabe nem sente que tem lá dentro a força para alcançar esse patamar, de passaro que voa determinado, ela quer um ninho que lhe mostre a direção.
Isso pois olhando com o canto de seus olhos molhados da seiva salgada porque o coração agora bate e faz transbordar, ela se depara com as violetas
as violetas velhas e cansadas
e desbotadas, e já sem força e sem beleza e quase sem pétalas. Que são tantas.
E não estiveram em buquês, e não estiveram em janelas, e não souberam ser dos outros e foram vendo a beleza que as fazia rainha ir se despetalando pelos chãos onde seu pólen foi levado pelo vento, vento frio e de solidão.
Nunca uma abelha teve a coragem necessária para chegar ao seu alto e lindo recanto feito um trono e roubar-lhe o pólen.
Nunca um colibri lhes espalhou a fertilidade e a descendência por outras paragens.
Não deram frutos e nada deixam nas terras de onde vieram e para onde já se sentem encaminhadas, como o filho pródigo, mas sem conseguir saborear prodígio nenhum em sua curta vida de glória mansa e vazia.
E a rosa teme,
porque ainda percebe em si muita falta, e não sabe consertá-la, e não quer se tornar uma dessas violetas.

Mas o tempo talvez já planeje as primeiras investidas que persistentemente repetidas, ela teme que virão e com efeito, virão mesmo, a tirar-lhe a cor.

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