Se essa rua
Se essa rua
Fosse
minha...
Eu mandava
Eu mandava
Ladrilhar.
Com pedrinhas
Com pedrinhas
De
brilhante,
Só pro meu
Só pro meu amor
Passar.
Não quis dizer que me lembrava de ti e quando a mãe me
perguntou brincando “Quem é mesmo que mora aqui?” eu desfiz o sorriso no rosto
dela mentindo que não sabia. Mentindo que não te sabia, e queria enganar a
quem?! Deuses!
1º: Passei na tua
rua
Foi uma dessas vontades que inexplicavelmente decidem se
tornar realidade sabe, depois de muitas visualizações mentais de como a coisa
toda se daria e eu chegando e seria tudo muito sorridente e muito natural, nos
veríamos velhos amigos depois de tanto tempo e com que bela bagagem pesaria
docemente cada palavra dita, cada afeto trocado em sorrisos calmos e muitos
gestos de criança, seria ótimo, seria lindo, e talvez depois algum momento de
casal. Talvez as fotos em que me pude ver. Talvez tudo o que poderia ter sido.
Talvezes, mas uma certeza sim. E por algum truque de música virei a esquerda
num caminho que era reto, que era certo, parei.
Toquei e não estavas.
Sentei e dei-me um tempo para te esperar.
Senti muita vergonha das pessoas da rua, pensando serem
todos seus amigos ou então tua família chegando à casa. Não eram. Escondi-me atrás
de alguns carros. Se alguém gravou poderíamos rir juntos de tudo isso, eu,
você, @ gravad@r misterios@. Ainda poderemos, diga-me quem foi! Mandaremos pro Faustão,
mandaremos pra internet, ficarei
conhecida como a querida medrosa do passado, a timidez da volta dos que não quiseram
ir, e por isso até hoje não sabem se foram ou não.
E vi um bilhete dizendo que estavam na pizzaria, te
esperando. Não quis atrasar tua família, passou a vontade. Antes da meia hora
que tinha me oferecido para esperar-te, levantei-me, fui para casa.
2º: Aparecestes!
Sim, porque eu chamei.
Mas mais do que isso, sim, porque eu estava pronta e não
teria vergonha de minhas roupas hippies, de meus quilinhos a mais. Senti-me
humana e aí aparecestes, na exuberância quase desumana de tua fisicalidade
impecável. Aí tua manifestação mais óbvia da divindade, querido curador.
Pitar-te-ia num retrato, num quadro, num pôster, em paredes e paredes, quantas
quisesses deixar! Deveríamos fazer fotografias um do outro, seria riquíssimo, e
não é preciso! E conversamos e senti aquilo tudo um brilho só, e parece então a
mim que se encontrou, e te admiro de um jeito interno que desconhecia até
agora. És uma pessoa dentro desse corpo, com quanto alívio sinto essa sua
profundidade na distância de uma conversa poética de depois do almoço. Sorri o
resto do dia.
3º: Matei uma tal
chama
Pensei que devia tentar de novo numa outra noite dessas, era
um pouco mais tarde, talvez já tivesse acabado seu horário de exercício, e
passei pela rua novamente. Sem pedrinhas de brilhante dessa vez, sem mirabolar
finais felizes, sem as concretas projeções futuras e desesperadamente
esperançosas como o era até então, a ilusão que o medo da não distância
provoca, à ela o fogo. E foi o que me aconteceu, bem em frente à sua casa, um
pedaço de tronco ardia. Lá onde eu quis me sentar para te esperar [e agora
penso que posso estar confundindo os tempos e esse 3º na verdade foi parte do
1º, mas não me faz diferença nesse momento essa chamada ordem humana que
conferimos ao tempo, uma criação imperfeita como tudo que somos nós], lá tinha
um pedaço de árvore queimando. A reminiscência do que fomos, do que fui por nós
dois, do que quis que fôssemos, do que sonhei mais de uma vez que ‘seríamos’,
da imagem de você que morou em mim por mais tempo do que eu gosto de admitir. A
verdade talvez seja que eu não quis me dedicar a me curar dessa pessoa que me
aconselhava a alvejar o cachorro morto que há tempos já era esse “amor”. Talvez
nunca tenha existido esse nós que eu projetei com tamanha ilusão de certeza.
E aí não me sentei. Remexi o tronco até que ele parasse de
queimar. Apaguei o fogo. A sensação foi imediatamente de mesmo efeito do
antibiótico, e sentia-me livre, curada, as amarras soltas, barco velejante,
senti-me indo para casa. Com cada letra disso.
4º: Passeamos
Depois num outro dia qualquer de dia resolvi parar. Esperei
que acabasse tua aula de inglês, te esperei pegar a bicicleta, te dei o recado
do amigo da caminhonete. Impressionam-me como aí ainda me incomodavam as
possíveis quaisquer formas em que pensassem para nos conectar, com o nome que
pensariam dar-me em relação em você, com a possibilidade de que se tornassem
verdade numa segunda mente aqueles meus desejos de “nós” que permaneceram
secretos, que pena. E isso é claro que não fazia sentido nenhum, então saístes
e te vi humano! Completamente humano e nu, e carregado de todas as mesmas
dúvidas de nossa idade quase gêmea, das prisões que nos prendem a tantos de
nós, infratores da verdade com que a criança brinca suave, pegos de primeira
surpresa naquele momento em que insistimos em investir-nos de qualquer peso,
que por definição não nos pertence. A criança grita por seu direito de nascer
em nós. E senti a tua e como a sufocavas. Não soube então o que agora começo a
sentir, que há vida além desse ‘nós’ imaginário, que realmente a fraternidade
aqui pode acontecer. E que outro bom desejo para esse ano que vem.
Um comentário:
perfeito
Postar um comentário