terça-feira, janeiro 31

Meu Primeiro Amor


É uma Oração

Ora, ora, ora.
Chega de novo esse novo fim de um ano imenso, turbulenta, atropeladamente, me re-atropelando das duas formas mais palpáveis, físicas, e retorcendo, invertendo, basicamente recriando muito do pouco que já armazenei desta vez. Como a prova real de que precisava e preciso para poder continuar minhas somas, minhas multiplicações, minhas contas mágicas de amor. A penitência foi a mais secreta, a mais obscura, a mais profunda prisão, da qual jamais nos divorciaremos completamente até a visita da nobre dama que palita os dentes, como hoje me disse Lya Luft num artiguinho seu. Fiquei em reclusão domiciliar, em disfarce do mundo, cortei temporariamente meu cordão umbilical com Deus, com a fonte-matriz-mãe-pai, com a natureza que eu re-descobri ser, para que pudesse voltar desejosa, voltar ansiando o primeiro ar depois do quase afogamento, que reconforta e preenche os pulmões do maior aconchego, do vislumbre da magnitude que é a chance de se viver, escancarar as portas, romper as janelas, despedaçar as amarras, bradando gloriosamente, por toda a terra, a sede de escadas, a própria humanidade: fisicamente limitada e infinitamente potente.

Fisicamente limitada.
De várias formas.
Aceitamos estar aqui, manifestos nessa forma densa, desde o momento em que cedemos o espaço atemporal de nossas luzes ao que cabe no cubículo de uma cápsula de humanidade (bela e poderosa, é verdade!).
Haverá desafios, poderá haver aprendizados.
Indrinha já me disse e não a entendi, Mãezinha já me disse e não entendi. Agora com mais esse ano, com mais essa volta saudosa, com mais um ano de estar em Maringá e coisas misteriosas me levarem ao inesperado, ao compreensível-daqui-a-pouco, algum brilho diferente pôde ser decifrado. A esfinge treme. É que volto à parte de onde partem todas as transformações efetivas – as afetivas, ao centro de toda a capacidade de uma mulher como de um homem, volto ao coração (o coração chama, e não a bomba de sangue) e ao quanto ele consegue ou não se exercitar, se doar em cores bonitas, se matar na entrega total ao outro. Em mim dessa vez, nessa vinda, a etapa da amizade-colega já escalou diversas montanhas, caiu, quebrou, vazou água salgada, e o mar moldou belos rochedos de que gosto bastante.

Faltam ainda porções imensas de aprender o amor romântico, se é que esse nome explica do que estou falando.
Agora estou pela primeira vez o mais pronta que já me senti para agradecer à chance de ter começado a aprendê-lo. Não ter vergonha de cada erro bobo e ridículo que cometi nesse pequeno percurso, já trabalhado de vento, de areia, de mar, que é o mar em que precisa se jogar qualquer coração minimamente vivo ou que se deseje vibrar como só se faz enquanto tal (Não sou eu quem me navega/ Quem me navega é o amor mar; Paulinho da Viola). Bastante doentia procurei me adequar ao instinto talvez animal, provavelmente só feio da obviedade em que se formou; gasto já ao revestir-se de previsibilidade e medo, uma fruta podre a interação – e não necessariamente os atores –, uma peça fadada ao fracasso, arquivada repetitiva e furtivamente em cada tentativa falsa de reencontro, de contorno, de junção do cristal quebrado. Acho que sei o suficiente do que falo, sei pelo menos de quem falo, e deixo às palavras a liberdade criativa que couber a quem quiser, mentalmente, traduzi-las.
mil perdões ao/à autor/a, salvei só como Kiss.jpg


Enquanto se dava esse caminho lancinante, em meio ao concurso que era essa competição tresloucada de esporte radical, na mentira feia, dura e mais crua do que eu jamais consegui ver, de temer aquela vida florida, de não me crer merecedora, de escolher não lidar com o que quer que seja que me incomoda e incomodava, incomodava, doía, revirava-me o estômago e eu varri as borboletas para baixo do tapete com medo de querer mata-las como eu me afastei do parapeito tantas vezes com medo de querer pular ao invés de me dar tempo para perceber o que era a vontade verdadeira, e respeitar o desejo de naturalidade do afastamento. Não queria deixar o futuro ser futuro, e por isso nada aconteceu inteiramente. Quebrei todas as bordas do quebra-cabeça. Auto-flagelo.
Tinha um amor aqui. Tinha sim. Tinha o amor aqui. Pulsando, implorando, sincero e entregue como se deve ser para se transformar no próprio nome. Era uma criança e era a coisa mais sábia que eu já vi. Era certeza deslizando por cada brilho de satisfação, de alegria, nos olhos. E o medo, foi sim o medo, foi sim a vontade de que o labirinto não fosse labirinto e eu pudesse ter tudo às mãos como me garantiam as rédeas da monotonia, da solidão, nas quais eu cavalgava rainha até então. Fugi do meu destino pela primeira vez de que consigo me lembrar. E não quis nem soube valorizar a fraqueza que eu não fui grande o bastante para admitir ter. Pairava a li toda a branca névoa do cisne encantado, e eu quis a maldição, eu quis a escuridão do omitir, do mentir, de comparar, de ceder ao meu primitivo querer controle, querer poder. Isso já se repetiu. Aprendi ali o erro que é ter nojo da fraqueza, o erro que é absorver a energia de aparente superioridade, que é na verdade uma das maiores ilusões que se pode criar, prisão perpétua porque engolimos a chave. Hoje sinto com cada bater de teclas desse teclado que arranco, que desintegro, que encravo as unhas em todo o caminho que essa chave sujou dentro de mim, dentro de cada partícula que escureceu em mim quando dessa tranca maldita, e regurgito esse feto assassino e sangrento de arrependimento, de mágoa, de culpa, que plantei aqui, que me afasta das chances que tenho de ser abraçada, que escrutina as ventos que tentam soprar por minhas janelas até orgulhosamente encontrar alguma sujeira que sirva de pretexto pra trancafiar toda a casa em sombra e penumbra. E poeira. Festa de teia de aranha.

Teve um outro. Mas esse aprendizado, prova escorregadia de amor, revelarei que foi meteórico. Assim o condeno ao impossível, ou só me cabe imaginá-lo no impossível porque é mesmo coisa de outro mundo. Lembra-me apenas o rosto de propaganda que vi, de quem abraça o produto e sorri, e há carinho inestimável, inexpressível em palavras humanas ainda que a coisa seja uma venda, um instrumento do diabo, há esse quê de inesgotável amor instantâneo nascido no momento de reconhecimento tácito que é esse sorriso, que é o afago resignado e querido de um animal de estimação. Chamarei ao leão, no suspiro já usual, amor meteórico de estimação.

Agora o animal instintivo de atração irresistível, de luta carniceira contra qualquer pureza remanescente não cabe mais aqui, ainda assim há amor pela criatura ser o que é, e admiração, pois ela é também beleza e não há vergonha nessa opinião. Foi amor aquilo? Agora é e posso dizê-lo livre, ufa! Provavelmente essa compreensão se traduz em fraternidade e só.
Fruto dessa mesma primavera é o amor às saudades, todas elas, e hoje principalmente essas dos primórdios, essas de cada acerto de férias, leve, rural, leviano e de cada erro meticulosamente calculado na cotidiana pressa imperfeita de uma cidade cinza que inaugurei em meu peito em germinação ainda tão iniciante. Poxa vida. Abraço meus eus de cada um desses momentos e sou tudo isso, e só posso querer bem a esses grandes mestres, ao meu primeiro amor, posso sorrir e não é mais o riso desesperado de vergonha e a vontade de dizer que nunca, aos vermes a borracha medonha com a qual quis me apagar com cada tentativa em vão de eliminar de mim essa tatuagem. É claridade amar assim, e que consigamos conservar cada chama do que fomos, do que somos, nesse ano que vem, nessa vida que vem sempre, que vem indo e voltando, que é maravilhosa pelo simples, complexo, desenhado à mão em renda virgem, pelo belíssimo fato de existirmos só, sós, e juntíssimos, numa só coisa-luz.

Obrigada, 2O11!
Maringá, 3O de dezembro de 2O11

Nenhum comentário: