quinta-feira, julho 7

foi fim, enfim

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
(Chico Buarque – Valsinha)

Sabe quando você quer fazer uma coisa e tenta e ainda quer mesmo sendo mais provável que ela não consiga acontecer?
Então, já eram quase dez da noite e ainda assim eu inventei de procurar um filme,
E não achei. E creio que isso não me entristeceu; só fez bem quando eu ganhei de presente aquelas toneladas de gentes passando e existindo ao meu redor e o cenário cinzento e brilhante, que eu adoro tanto. Ah, foi só bonito, pra falar a verdade!
Saí andando pra cruzar a rua e eis que
Passou.
Ele passou.
A cena se repetiu nos tempos que se seguiram, em vida real e em vida sonhada, dormindo e também acordada, em vários lugares, de vários jeitos, que fizeram reviravoltar a corrida desenfreada em que às vezes se pegava o algo que habita o peito, no tempo já tão remoto do seu reinado.
Agora era outro. Outro som e outro compasso, não-sei-como mas sei que diferente. E me pus a investigar-me, dissecar essa minha massa sangrenta.
Caíram pedaços pulsantes, e
olhando pro chão sujo sorri do meu reflexo medonho. Os cabeços ouriçadios, a rebeldia que aquelas rodas rápidas me provocaram, ainda não aprendi a explicar. Senti a maldade que a ansiedade traz, senti o terror de querer invejar, senti à toa a vontade vã de correr de volta pro não sei onde que eu chamava de abrigo, que eu chamei de amor e ecoou.

Só.

E finalmente esse só não soa mais só como solidão. Evoluiu num só de simplesmente, e eu conclui apelidando-o apenas. Passou. E só.
Se a maré não baixar, eu corro, me afogo. Lanço-me, esquecendo toda a razão de crescer que acopla os meus dedos a essas teclas finalmente aquecentes. Fogo. É fogo o que tem que ser e meus palitos não têm caixa de fósforo. Esfregam-se uns nos outros freneticamente, buscando uma faísca de migalha que acenda um caminho que esquente a grama que exale um cheiro que te faça ajoelhar e rastejar, e deixar pelo caminho ensanguentado tudo que minha estrada de lixas doces, de meus amorezinhos, conseguir esfolar desse seu corpo atrofiado.

E quando chegares, ah quando chegares... Receberei teu esqueleto fulminante com todo o carinho que nunca quiseres, em cuja cara está gravado teu cuspe grosso. Esse boneco gordo e desfigurado, recheado das esperanças que você fisiculturalmente espancou, vibrará com seu ingresso, e quando abrires os braços porque só te restam ossos e coração e agora consegues escutar os gritos agonizantes dessa podre e pobre máquina vermelha que tanto ignorastes quando te ensinava o caminho da senda reta para o meu labirinto todo teu, nesse momento meu boneco te agarra.
E te torce com toda a força dos pelos e do corpo obeso até que não se escute mais som nenhum.

Só.

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