sexta-feira, dezembro 31

Era uma vez - várias vezes,

um mergulhador, que apenas fazia o seu trabalho.
até que um dia decidiu aventurar-se

e indo um pouco mais além das profundezas onde estendera suas bandeirinhas,
descobrindo um pouco mais das névoas que permitia que lhe amedrontassem,
nadou entre flores roxas e amarelas, duvidou que estivesse realmente em alto mar. que coral é esse, meu deus?

meu deus não respondeu, mas silenciosamente deixou escapar uma.. dica
bem à sua frente estava ela. resplandecia. hipnotizado, cada bolha de oxigênio era gasta com o esforço de um bravo marinheiro entregando-se a um gigantesco redemoinho. Desejou o êxtase daquele contato.

Era simples e rara. Solitária.
Uma pérola, assim de um jeito inovador, depois de tantos sete mares percorridos, de tantas conchas guardadas, de verdadeiros segredos cuja vida superficial seria apenas passado, não fora sua obstinada vida de detetive lá embaixo.
Uma pérola sem concha. Pensou duas vezes. Quatro. Oito. Como podia ser? Não era mais grão de areia;
tanto brilhava e conquistara seu olhar, a pequena sereia esférica e muda.
E no entanto cada pérola que juntara para construir o colar que sua avó ganhou de aniversário naquele ano(amantes não couberam na Sua existência superficial), tivera que tirar da concha, desproteger. Todas as bolinhas de antes dependiam dele para serem mostradas ao mundo e para sentirem até mesmo o gosto da própria água que envolvia sua casca e sua vida. Agora, não.

Essa estava sozinha e era sozinha. Sem nada de zinha, apenas só. Na rua.
Tão frágil e ao mesmo tempo extremamente fascinante, seus cabelos loiros ondulavam acompanhando o movimento convidativo dos quadris, descobertos, dos braços, à mostra, do corpo todo exposto ao vento no olhar da clientela insone.
Cruzando de uma calçada a outra, o que ela não poderia sem a sustentação que aqueles olhares herdados ao longo da masculinumanidade lhe forneciam, era aquela aceitação a ponte onde pisava, e a pérola apoiada no coral milenar. No olhar a solidão coberta de orgulho e vaidade, tudo coladinho pela massa suja de despreocupação.
Seu próximo passo é incerto, não se sabe se o salto vai virar. Ela anseia por cada segundo, e a pérola não sabe se vai conseguir continuar secretando a si mesma; isso não é beleza, é vulgaridade, acusou o mergulhador.

Como toda hipnose essa tem fim e surpreende e deixa suas marcas, na bola que fica e no homem que passa.
E então se vê que a pérola assim nua é um erro, e apenas isso, e apenas, que pena. Que poderia ser inteira só depois da libertação, só com alguém lhe salvando a vida e fazendo bater um coração em seu peito sólido.
Nada disso veio. Nada disso teve.
Então era apenas uma pérola, então era apenas uma mulher na rua, dourada intimando com suas janelas, mais abertas para a vazia dor que carrega do que ela poderia supor.

mas como todo semáforo abre, qualquer medidor de oxigênio irá piscar.
e aí o homem vai acelerar, o que tem pé de patos, voltará para respirar,
e tudo isso vai continuar sufocando e espremendo aquela pérolamulher pra dentro de si, da própria escuridão e de tudo o que não conhece, até que instalem as devidas sinalizações em todos os perigosos e inúmeros caminhos com os quais cruza, e que em suma só levam a ela.

Nenhum comentário: